Você tem fome de quê? Como identificar nossas reais necessidades?
- Rafa DallAsta
- 27 de abr. de 2017
- 5 min de leitura
Você percebe que nem sempre come só para satisfazer sua fome fisiológica, não é mesmo?
Comer pode ser uma das experiências mais carregadas de emoção que temos em nossas vidas. Isso começa ainda no primeiro dia que o leite é oferecido à criança (como forma de reprimir seu choro e de demonstrar afeto/amor) e é reforçado ao longo da vida, quando, por exemplo, uma sopinha é oferecida porque estamos doentes. Cada vez que uma experiência significativa da vida é celebrada com comida, a conexão emocional se aprofunda, desde o bolo de aniversário todos os anos até aquele jantar comemorando uma promoção no trabalho (TRIBOLE e RESCH, 2012).
Nós comemos para satisfazer necessidades emocionais e físicas, e, a menos que reconheçamos AMBOS os tipos de necessidade, podemos ficar com a sensação de que estamos nos privando de algo, e sairemos atrás de mais comida (ROTH, 2011).

Como eu faço então para reconhecer qual é a fome que estou tendo?
Vamos entender primeiramente alguns conceitos apresentados na literatura:
Fome fisiológica: é a fome do organismo, que vem da necessidade de receber alimentos. Ela não é específica, ou seja, qualquer alimento disponível costuma satisfazer (DERAM, 2014). De acordo com Alvarenga et al, você pode se perguntar: eu comeria agora um ovo cozido, ou um bife, ou uma maçã, ou uma cenoura crua? Se a resposta for sim, provavelmente a fome é fisiológica.
Fome específica ou vontade: não é urgente, mas é específica. Pode ter um contexto de memória alimentar, vontade de reviver situações ou experimentar algo novo (ALVARENGA et al, 2015). É importante notarmos que essa fome específica (ou apetite) pode ser considerada fisiológica também, já que na maioria das vezes o apetite diz muito sobre nossas necessidades de nutrientes. Ter vontade de determinado alimento não significa necessariamente que sua fome é emocional, conforme explicaremos mais adiante.
Fome social: costuma aparecer quando você sente o cheiro, vê ou escuta falar que a comida está gostosa; pipoca no cinema e amendoim para petisco são bons exemplos de alimentos que despertam nossa fome social (ALVARENGA et al, 2015). Comemos muitas vezes sem perceber, de forma inconsciente, quando o alimento está disponível em eventos sociais. É normal comer mais numa festa, quando uma comida gostosa é oferecida em grandes quantidades. (DERAM, 2014). Segundo Alvarenga et al, você pode avaliar se quer comer ou não esse alimento: é socialmente importante? Se eu não comer vou ficar pensando nesse alimento ou logo me esquecerei? Se decidir comer, procure pensar quanto você precisa comer para ficar satisfeito.
Fome emocional: normalmente se manifesta com urgência e não é satisfeita com pequenas quantidades. Algumas vezes podemos comer de forma impulsiva, sem pensar no sabor. Podem surgir pensamentos do tipo “nada me satisfaz”. Costuma se manifestar através da vontade de alimentos específicos, mas se diferencia do apetite pela urgência, pelo aparecimento repentino. A fome emocional não é necessariamente uma fome ruim, que precisa ser inibida, mas é importante saber que você terá um alívio temporário, mas que nem todas as emoções serão resolvidas. (DERAM, 2014).

Além de entender os conceitos acima, podemos observar algumas questões para conseguirmos identificar nossas fomes:
- Faça, se possível, uma breve pausa antes de começar a comer Muitas pessoas, quando fazem várias dietas, perdem a conexão com o próprio corpo e não conseguem mais identificar quando estão com fome. Quando o ímpeto de comer surgir, procure parar. Sentir em qual parte do corpo a fome se manifesta. Dependendo do caso, a fome fisiológica pode se manifestar com um ronco no estômago, uma dor de cabeça, uma tontura. Já a sensação de vazio no peito pode ser indício de fome emocional.
A autora Geneen Roth vê essa pausa sob uma perspectiva interessante: para ela, se comemos em pé, distraídos, não conseguimos perceber com clareza nossa fome. Ela diz ainda que o ato de sentar significa que você RECONHECE que vai comer e que decidiu dar a si mesmo permissão para isso; quando você se dá permissão, pode ir mais devagar e saborear a comida.
Conforme já falamos aqui, a prática de Mindfulness também pode ser um auxílio para não reagirmos automaticamente quando o ímpeto de comer surge. Não se trata de lutar contra a fome, mas de dar tempo suficiente para que voce faça uma escolha consciente e satisfatória. É uma pausa.
Além de ajudar a sairmos do modo automático, o Mindfulness pode auxiliar na aceitação dos nossos sentimentos (mesmo os desagradáveis) e no não julgamento quando identificarmos que nossa fome é emocional.
- Não ignore sua fome Não tente ignorar sua fome. Ao fazer isso, a fome pode atingir seu ponto máximo, e aí a tentativa de comer consciente e moderadamente pode se tornar ineficaz. Segundo Sophie Deram, a fome emocional pode, muitas vezes, se originar de um acúmulo de vontades que não foram respeitadas, em geral, por conta do pensamento restritivo da mentalidade de dieta. Se pararmos para pensar, o próprio MEDO de sentir muita fome (característico da dieta) já é uma emoção, que muitas vezes se busca atenuar...comendo! Se você rejeitar a mentalidade de dieta, substituindo o medo e a culpa por sentimentos de autocompaixão, por exemplo, ficará mais fácil se concentrar em suas questões internas e achar caminhos para lidar com elas.
- Reflita sobre suas emoções Algumas pessoas não aprenderam a identificar seus sentimentos e muitas vezes não sabem por que estão comendo.
Quando se percebe que a busca por comida não está ligada à fome fisiológica, recomenda-se parar para identificar os sentimentos, traçando um diálogo interno. “ Do que eu preciso?” ; “será comida, ou um abraço, um descanso?”; “como eu faço para atender minha real necessidade?” (ALVARENGA et al, 2015).
Algumas situações de comer emocional acontecem quando necessidades básicas não estão sendo atendidas: poucas horas de sono, privações alimentares e alto nível de estresse, por exemplo. Você consegue identificar em si mesmo quais são os gatilhos que costumam disparar a sua fome emocional?
Quando não conseguir evitar o comer emocional, procure encarar isso como um aprendizado, e não como uma falha. (ALVARENGA et al, 2015). Você pode inclusive escrever sobre suas emoções depois, para enxerga-las com maior clareza e nomeá-las. Exemplo: comi chocolate mesmo sem estar com fome, pois estava triste com uma briga que tive com meu marido. Ao refletir sobre seus sentimentos, é útil também que você encontre maneiras alternativas de lidar com eles e atender suas necessidades: pode ser um banho, ouvir uma música boa, ligar para um amigo, dormir, meditar, caminhar...quem escolhe é você! O importante é estar atento para as suas necessidades.
Identificar nossas fomes pode não ser um processo tão simples, mas com certeza é algo primordial para quem busca um relacionamento saudável (e harmônico) com o alimento e consigo mesmo. Você pode procurar ajuda de um profissional para te ajudar nesse caminho.
Finalizo com a bela reflexão que traz essa música dos Titãs:
Música: Comida Bebida é água Comida é pasto Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida como a vida quer
A gente não quer só comer A gente quer comer e quer fazer amor A gente não quer só comer A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro A gente quer dinheiro e felicidade A gente não quer só dinheiro A gente quer inteiro e não pela metade
Desejo, necessidade, vontade Necessidade, desejo Necessidade, vontade Necessidade

Nutricionista comportamental em Marau (RS) e região
Referências: ALVARENGA, M. et al. Nutrição Comportamental. Barueri, SP. Manole, 2015. DERAM, S. O Peso das Dietas. São Paulo, SP. Editora Sensus, 2014. TRIBOLE, E., RESCH, E. Intuitive Eating: A Revolutionary Program That Works – St Martins Press. 2012 (3rd edition) ROTH, G. Liberte-se da Fome Emocional. São Paulo, SP. Lua de Papel, 2011.
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