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Quem tem medo do lobo... da gordura?

  • Geysa Koschnitzki
  • 7 de jul. de 2017
  • 5 min de leitura

Faz tempo que os alimentos com “baixo teor de gorduras”, os famosos fat free, enchem as prateleiras dos supermercados, substituindo nossos alimentos preferidos por comida sem graça e com gosto de papelão. E também faz tempo que a indústria de alimentos gasta milhões tentando reduzir (sem sucesso) a diferença da qualidade entre os alimentos originais e suas versões “mais magras”. Porém o que percebemos é que mesmo com a crescimento da demonização da gordura e da disseminação desmedida do medo de ficar gordo ou morrer de doenças do coração, as pessoas continuam engordando e os índices de doenças crônicas relacionadas à obesidade continuam crescendo. A nossa sociedade é profundamente lipofóbica e a gordura é o mal que todos querem evitar, mas onde foi que tudo isso começou?

Segundo Alan Levinovitz, autor do livro “A Mentira do Glúten”, quando as pessoas compram leite aguado, sorvete desagradável ou carne magra com gosto de papelão, na verdade, estão comprando o mito antigo e potente do “você é o que você come ”. A crença de que você absorve as características físicas e morais do seu alimento é uma superstição quase universal: se você comer gordura animal você vai ficar gordo. Pesquisando um pouco sobre a história da alimentação e das recomendações dietéticas, encontrei algo muito interessante e que demonstra bem o que Levinovitz relata.

Em meados do século II, o médico grego Galeno dizia que as pessoas obesas só deveriam comer carnes de animais selvagens, de preferência das montanhas. Isso porque os animais selvagens são mais magros do que os domesticados e os que viviam nas montanhas eram ainda mais magros. Já no início da Renascença, os médicos alegavam que a carne de porco causava gula, pois os porcos são gulosos, então você poderia absorver sua natureza gulosa se comê-los.

Naquele tempo, o “você é o que você come” também fazia as pessoas pensarem que a gordura dentro do corpo se comportava da mesma maneira que a gordura fora do corpo, ou seja, líquidas no calor e sólidas em temperaturas mais frias. E, por incrível que pareça, o que vemos nos dias de hoje, é a metáfora “derreter gordura” sendo utilizada com freqüência e de forma literal nos programas de emagrecimento e nas revistas que prometem boa forma.

Como diz Levinovitz, “precisamos reconhecer o nosso medo da gordura pelo que ele realmente é, ‘você é o que você come’ é superstição, não é ciência!” E como toda ciência da Nutrição, o estudo da perda de peso é complicado e incerto. A verdade é que ainda não estamos nem perto da certeza quando se trata de identificar os efeitos da dieta com alto teor de gordura no desenvolvimento da obesidade ou no aparecimento de doenças cardiovasculares. “O mais perto que chegamos de um consenso verdadeiramente unânime sobre a gordura é que, se comer uma quantidade excessiva de calorias, você pode ganhar peso, e a gordura tem muitas calorias.”

Porém, desde a década de 1960, cientistas têm questionado a idéia de que o consumo de gorduras saturadas vai nos deixar obesos e doentes, e por algum motivo, as muitas controvérsias sobre as diretrizes dietéticas do governo foram desconsideradas. A difamação das gorduras foi tão veemente que provocou dúvidas e incertezas até na comunidade científica. Teve gente comparando dietas com alto teor de gorduras com “assassinato em massa” e gordura saturada com tabaco, um absurdo! Por um lado isso incentivou quem fazia pesquisas sérias, como o jornalista de ciência norte americano Gerry Taubes, a duvidar, estudar e contra-argumentar, afirmando que a realidade é que ninguém sabia as causas dietéticas da obesidade e das doenças cardiovasculares e que a gordura não passava de um bode expiatório convincente.

As discussões sobre a culpabilização da gordura não devem ser deixadas de lado e acredito que se não temos evidências decisivas não deveríamos estar condenando a gordura do jeito que estamos. Temos estudos recentes que não mostram nenhuma relação significativa entre a ingestão de gordura saturada e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Médicos conceituados, como o cardiologista Aseen Malhota, afirmam que a gordura saturada dos alimentos não processados não é nociva e, provavelmente, é benéfica ao nosso organismo.

Em meio a tantas incertezas, controvérsias e dificuldades dos estudos da relação entre dieta, peso e doença, seria sensato dizer que não existe um consenso sobre a quantidade adequada ou sobre o tipo de gordura a ser consumida que beneficie a perda de peso e a saúde do coração. O que sabemos hoje, é que existem diversos fatores que contribuem para o ganho de peso além do nosso comportamento alimentar, como o aumento dos níveis de estresse, a falta de sono, o sedentarismo do mundo moderno, a redução da variação da temperatura (com o surgimento dos condicionadores de ar e aquecedores), a diminuição do tabagismo, o uso de medicamentos como antidepressivos e estabilizantes de humor, a idade materna mais elevada, entre outros. Isso me leva a concluir que se a gordura tem culpa, a parcela provavelmente é pequena.

E por que restringir a gordura da alimentação, indiscriminadamente, pode acarretar em futuros problemas? Um organismo não sobrevive sem gordura! Antes vista como simplesmente uma reserva de energia para o nosso corpo, hoje se sabe que ela possui inúmeras funções. O tecido adiposo é considerado um importante e complexo órgão endócrino, com funções reguladoras da ingestão alimentar e do balanço energético. O próprio tão temido colesterol participa da síntese de hormônios como estrogênio e testosterona e é constituinte das membranas das células do nosso corpo. Os lipídeos também são importantes para o nosso cérebro, pois a conexão entre os neurônios é revestida pela bainha de mielina, que é composta por 70% de gordura. Dentre as muitas e importantes funções deste nutriente, também estão a absorção das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K; proteção dos órgãos internos contra choques mecânicos; regulação da temperatura corporal; proteção contra doenças debilitantes e promoção de saciedade. Se gordura fosse ruim ela não existiria no nosso corpo e todo esse importante papel no funcionamento do nosso organismo reforça esta afirmação. Eu iria ainda mais longe, colocando a gordura como um grande agente protetor, que nos fornece defesa contra grandes restrições alimentares (dietas), contra nossos medos, dores e até contra o estresse (físico e emocional). Nosso organismo interpreta as reservas de gordura como uma grande capa protetora que tem como principal função a nossa sobrevivência.

Mas as perguntas continuam sendo as mesmas: Qual a quantidade de gordura que devemos consumir? Qual é o melhor tipo de gordura para o nosso organismo? Essas são questões difíceis de responder com total convicção e certeza, mas é bastante provável que, como qualquer outro alimento, o mais importante seja encontrar o seu equilíbrio. Além disso, acredito que um caminho interessante a se seguir seria refletir : “Se minhas reservas de gordura estão aumentando constantemente, será que o meu corpo está tentando me proteger de algo?” A resposta pode ser muito mais complexa e reveladora do que, de forma simplista, culpar a manteiga do pão francês ou o pastelzinho que você come na feira.

Referências: LEVINOVITZ, A. A Mentira do Glúten e outros mitos sobre o que você come. Porto Alegre: CDG, 2015

ALVARENGA, Marle et al. NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL. Barueri, São Paulo.Manole, 2015.

GARRYTaubes, “The Soft Science of Dietary Fat” Science 291.5513 (2001): 2.536-45. Gerry Taubes, “What If It’s All Been a Big Fat Lie?”, New York Times Magaine 7 (2002).

Nutricionista em Nova Friburgo (RJ)

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