#aculpanãoésua
- Lydiane Bragunci
- 2 de ago. de 2017
- 4 min de leitura
Há alguns dias li uma publicação no Facebook em uma página sobre maternidade (que, aliás, vale muito a pena seguir, veja aqui) e ela resumiu tão brilhantemente o que eu sempre falo em palestras, que tomei a liberdade de reproduzir o conteúdo na íntegra aqui:
“bebê bonito é bebê gordinho. achocolatado. maisena. mingau. pirulito. bala. refrigerante na mamadeira. deixa ser criança! chiclete. suco de caixinha. bisnaguinha. todo dia. na escola. em casa. na festinha. comercial. sem limites. sem hora. tá crescendo e ficando gordinha demais. já pode emagrecer. TV. vídeo game. celular. tablet. computador. ar livre? correr? nadinha. salgadinho. guaravita. coca da cantina. cantina lucra. criança adoece. tem que emagrecer! bullying. tristeza. dieta. mamãe quer emagrecer. dieta da mamãe. fórmula pra emagrecer da mamãe. é espelho da mamãe. dieta é a chave. gorda, não! tá mocinha. tem que se cuidar. dieta da lua. dieta da sopa. suco detox. emagreci! engordei. atkins. dukan. não emagreci. ajuda, caveirinha! menos 10 quilos. uhu! bolo só por hoje. pão de queijo só por hoje. brigadeiro só por hoje. comer é bom. não, não é. comer é pecado. comer é fraqueza. comer é ruim. culpa. mais fórmula. mais dieta. 5S. vigilantes, vigiem essa menina. engorda. emagrece. engorda. emagrece. dessa vez vai ser pra sempre. prometo. é natal! rabanada. panetone. pudim. engorda. é fraca. depressão. antipressivos. calmante. balão intragástrico. é só querer! continua! foco. força. fé. peixe fora d'água na academia. bicicleta. esteira. odeia. se odeia. odeia comida. odeia viver. sai, balão! engorda. mágica: lowcarb, whole, jejum. 16h sem comer. vibra. comer é pecado. comer é ruim. não tem ninguém. escondido, pode. carbo. carbo. carbo. dieta hcg. bulimia. restrição. compulsão. dedo na goela. anorexia. transtorno. comer é mau. fome é ruim. jejum. jejum. jejum. aguenta. tontura. é assim. foco. força. fé. emagrece. engorda. emagrece. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. engorda. última chance: bariátrica. emagrece. vitamina. vitamina. vitamina. pra sempre. pele sobra. opera braço. opera perna. silicone. felicidade. momentânea. lipo. corta. estica. modela. perto do padrão. embolia. o que houve, doutor? sinto muito. adeus, bebê linda e gordinha. a culpa nunca foi sua.”

É provável que em maior ou menor grau você se identifique com esta linha do tempo. Ou que tenha tomado um susto com o desfecho. Ou ainda que tenha se sentido desconfortável e até resistente a se identificar com o que a autora descreve.
Na minha opinião ela não exagerou em absolutamente nada! No papel de profissional da nutrição eu posso lhe assegurar que esta é a SÍNTESE das inúmeras histórias que ouço em consultório, com algumas pequenas variações. Trata-se do que eu chamo da “saga de corpos hiperalimentados e hiperestimulados” desde o nascimento, resultando em uma vida inteira de sofrimento com a comida. E tem gente que ainda insiste em dizer que a questão de peso é simples: só uma questão matemática entre calorias consumidas e gastas... APENAS uma questão de força de vontade. Rá!
Percebam como o mundo é simplista e reducionista para dar soluções a um problema tão complexo. Soluções tão eficazes quanto enxugar gelo, tão efetivas quanto querer matar um gigante com espingarda de chumbinho.
Não adianta pensar que é SÓ tirar a comida, é SÓ não comer, é SÓ eliminar o problema imediato com procedimentos e cirurgia. Estamos vivendo em um ambiente completamente adverso e complicado no que diz respeito à comida. Temos muita disponibilidade, muitas opções, muito estímulo e muitas muitas muitas mensagens ambivalentes (coma – não coma / engorde – emagreça / exagere - restrinja).
Há quase 4 décadas especialistas do mundo inteiro estudam estratégias para o desafio que se tornou o peso, mas nenhum (NENHUM) país até hoje conseguiu reduzir taxas de sobrepeso e obesidade, assim como obter a melhora no perfil de saúde populacional com as estratégias até então implementadas. O que nos leva a concluir que.... obviamente o que se tem feito (incluindo DIETA) não está funcionando. E como não bastasse não funcionar, ainda prejudica substancialmente a saúde psíquica das pessoas.
Não, eu também não tenho a solução pronta para a questão do peso. Mas desconfio fortemente que culpabilizar, responsabilizar e hostilizar pessoas gordas não seja uma saída plausível, apesar de amplamente utilizada. Pelo menos não é o que tenho observado na prática clínica. O único resultado obtido com a prática do body shaming é manter quem precisa de apoio distante do tratamento, com pavor de médicos e nutricionistas e se privando da exposição em público.
Se fizermos um esforço mínimo de esmiuçar o conteúdo da linha do tempo acima apresentada, poderemos perceber que a palavra-chave que permeia toda a questão do peso é o AMBIENTE.
Em seu sentido mais amplo e não apenas sobre oferta e características dos alimentos disponíveis (se in natura ou ultraprocessados), me refiro também ao ambiente familiar, com todas as suas crenças sobre o que seja um bebê e uma criança saudáveis e felizes, sobre corpos “adequados”. Ao que a mídia vende sobre padrões de beleza, e é assimilado e reproduzido pelos pais e aprendido pelos filhos. Ao que se reforça socialmente sobre autoestima, autocuidado, autocontrole e o excesso de preocupação com a aparência. Ao que se veicula de informações científicas e não científicas a respeito de saúde e doença, alimentos vilões e milagrosos, a promessa de cura e o “veneno” da vez.
São tantas e tão intrincadas as variáveis que envolvem a sua relação com a comida que eu preciso apenas te dizer que: Você é a vítima! #aCulpaNãoÉsua.
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