Como o nutricionista pode falar de auto aceitação dentro do consultório?
- Nathália Petry
- 7 de fev. de 2018
- 3 min de leitura
Quando decidi cursar Nutrição, era comum ouvir de familiares e amigos que se encontrasse a fórmula do emagrecimento eu ficaria rica. Ouvia constantemente que se eu descobrisse a pílula mágica, ou o alimento emagrecedor, a humanidade estaria salva. Até hoje tenho ouvido apelos desse tipo, em formatos mais sucintos, mas igualmente alarmantes, como “o que posso comer para emagrecer rápido?; qual alimento devo evitar para perder aqueles quilos?; como fazer para perder peso rápido?”, sinalizando que estamos todos em busca daquela solução definitiva para eliminar os quilos tão indesejados.
A insatisfação corporal é uma realidade atualmente, como parte de uma cultura que valoriza apenas um tipo de corpo e que não é receptiva à diversidade corporal. É possível perceber a dimensão deste problema quando se observam dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Diabetes trazendo a prevalência de omissão intencional do uso de insulina para perder peso de 34% a 40% das mulheres diagnosticadas com Diabetes Mellito tipo 1 entre 16 e 30 anos. Sim, a insatisfação corporal tem comprometido vidas de diversas formas.
Sendo vista atualmente como uma profissão que pode contribuir, por meio da alimentação, para “emagrecer as pessoas”, trabalhar a auto aceitação é realmente um desafio dentro do consultório de Nutrição. Porém é uma necessidade, tendo em vista que a insatisfação corporal está ligada ao aumento do risco de obesidade e transtornos alimentares e está intimamente ligada a um mau relacionamento do indivíduo com a comida e também com o exercício físico (Neumark-Sztainer, 2012). Segundo estes autores, quando estamos insatisfeitos com nossa imagem acabamos nos afastando do conceito do auto cuidado, e tomamos medidas extremas e que não respeitam nosso organismo para emagrecer, as quais acabam nos afastando ainda mais da saúde e de um peso saudável. Na verdade, segundo o estudo de Ann Macpherson-Sánchez (2015), foi quando começamos a ter esse conceito de perseguir um peso ideal que as taxas de obesidade começaram a crescer.

Por isso, trabalhar conceitos de auto aceitação pelo profissional nutricionista faz parte de ser um profissional promotor de saúde. Para isso, seguem algumas reflexões que acredito serem poderosos instrumentos para dentro do consultório:
Auto aceitação não é um sentimento de desistência, de comodismo. Auto aceitação é simplesmente entender que o corpo que você tem hoje já é suficiente para viver e realizar seus sonhos, e que ele merece ser tratado com carinho e respeito.
Auto aceitação não é se forçar a se achar lindo, mas se questionar quais são os parâmetros de beleza que povoam sua mente. É preciso ter em mente que algumas estatísticas colocam que os padrões de beleza atuais (corpo magro, branco, longilíneo) representam apenas 1-2% da população mundial. Seriam esses bons referenciais de beleza para você?
Auto aceitação não é amar o seu corpo inteiramente e incondicionalmente, mas sim se questionar porquê é tão importante para você mudá-lo. Não é incomum que as pessoas associem o conceito de magreza à felicidade e ao sucesso, passando, assim, a buscar incessantemente este corpo magro. Mas é sempre válido se questionar: será que é neste corpo perfeito que encontrarei felicidade e sucesso? Ou será que já posso batalhar por meus sonhos agora?
Auto aceitação não é gostar de você de repente, se amar na marra. Às vezes, os pacientes/clientes acreditam que se aceitar é, de um dia para o outro, passar a gostar de si. Mas é preciso entender que o que temos com nosso corpo é um relacionamento. Se não gostamos de alguém, com certeza levará um tempo para conseguirmos olhá-lo de outra forma. Com o corpo é a mesma coisa, é uma construção.
Com frequência, costumo trazer estas reflexões dentro do consultório, porque percebo que ajudam o indivíduo a reavaliar suas prioridades e os caminhos que ele deseja tomar. Percebo que trabalhar conceitos de auto aceitação possibilitam que o indivíduo resgate o desejo do auto cuidado, e passe olhar sua alimentação e a prática de exercício físico de outra forma, procurando caminhos mais sustentáveis e respeitosos. Assim, trabalhar auto aceitação no consultório tem sido um importante motivador de mudanças consistentes.
É claro que trabalhar aspectos como imagem corporal e auto aceitação dentro do consultório é, sim, um desafio. Porém, acredito que o maior desafio em relação a isso está nas crenças que cada um de nós trás: tanto os pacientes/clientes, com suas expectativas de emagrecimento e mudanças corporais rápidas; quanto os nutricionistas, que acreditam que seu trabalho só terá valor se promoverem resultados rápidos de peso. Talvez seja preciso uma completa revisão daquilo que acreditamos, para que nutricionistas e pacientes possam caminhar juntos em busca de saúde física e mental.
Referências:
Macpherson-Sánchez AE. Integrating Fundamental Concepts of Obesity and Eating Disorders: Implications for the Obesity Epidemic. Am J Public Health. 2015;105(4): e71–e85.
Neumark-Sztainer D, Wall M, Standish A. Dieting and unhealthy weight control behaviors during adolescence: Associations with 10-year changes in body mass index. J Adolesc Health. 2012;50(1): 80–86
Sociedade Brasileira de Diabetes (http://www.diabetes.org.br/publico/dia-mundial-de-alerta-para-os-transtornos-alimentares/1296-diabetes-tipo-1-e-transtornos-alimentares-dra-claudia-pieper)
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