Corra que a polícia (da dieta) vem aí!
- Rafa DallAsta
- 21 de fev. de 2018
- 5 min de leitura
“Esse bolo é muito calórico, melhor comer uma maçã”;
“Não faz 3 horas que almocei, ainda não está na hora de comer”.
Se você já fez, está fazendo ou simplesmente já teve intenções de seguir uma dieta, é provável que esses pensamentos sejam conhecidos seus. E, mesmo que você não queira mais fazer dieta e esteja buscando viver em paz com a comida, talvez esses pensamentos às vezes ainda insistam em rondar sua cabeça.
O princípio 4 da alimentação intuitiva (“desafie o policial da comida”, já citado anteriormente aqui) traz que algumas pessoas possuem uma espécie de delegacia de polícia em suas mentes. É como se houvesse um plantonista analisando se as regras de dieta estão ou não sendo cumpridas. E, a partir desses julgamentos, muitas pessoas acreditam que são “boas” ou “más”, de acordo com o que (ou o quanto) comem, vivendo um verdadeiro terrorismo nutricional (Alvarenga et al, 2015; Tribole e Resch, 2012).
Dessa forma, nossas vozes internas podem atrapalhar ou melhorar nosso relacionamento com a comida, e por isso vale a pena identificar que tipo de pensamento anda povoando sua mente. Tribole e Resch (2012) dão os seguintes nomes a essas vozes:
- Voz do “informante nutricional”:
O informante nutricional dá evidências nutricionais para que você se mantenha sempre em dieta (ainda que não oficialmente ou conscientemente), contando calorias e analisando nutrientes, normalmente com o disfarce de “faço isso por uma questão de saúde”. Pode ser difícil de identificar, já que muitas vezes pode parecer uma reprodução do que nos dizem alguns profissionais de saúde. “Já fiz as pazes com a comida, então agora busco sempre alimentos saudáveis” pode ser um exemplo dessa voz. É claro que o teor nutricional é relevante, mas, é importante lembrar que, dependendo do contexto em que está inserido, todo alimento pode ser saudável.
Como modificar essa voz e torna-la uma aliada? O informante se torna um aliado quando genuinamente buscamos comer honrando a saúde, sem ter planos secretos de entrar em uma nova dieta ou lutar contra o peso. Se a sensação de culpa ainda está presente quando você come determinado alimento e suas escolhas alimentares tendem a ser pouco flexíveis, talvez o informante ainda esteja conspirando com o policial (Tribole e Resch, 2012).
- Voz do “rebelde ou revoltado”:
A voz rebelde busca resgatar a autonomia, condição que normalmente é perdida ou diminuída quando se faz dieta, principalmente se há alguém que lhe cobra essa dieta, como um marido ou parente Afirmações do tipo “você fica dizendo o que eu devo ou não devo comer e que não vou perder peso, então vai ver só” ou “vou comer o que puder escondida, enquanto meu marido não chega” são clássicas do rebelde da dieta.
Como modificar essa voz e torna-la uma aliada? A voz do rebelde pode sim ser benéfica se utilizada para proteger limites quando alguém faz comentários sobre nosso corpo ou sobre nossa alimentação. Costuma ser útil, por exemplo, ter uma conversa com familiares ou amigos, deixando claro que suas escolhas e seu corpo são questões particulares. É o clássico “meu corpo, minhas regras” (desconheço a autoria dessa frase, mas concordo totalmente).
A seguir, seguem algumas vozes que são positivas, e que podemos exercitar no dia a dia:
- Voz do antropólogo:
A voz do antropólogo é neutra, e faz observações sem julgamento. São contínuas observações que podemos fazer durante o dia a dia, buscando aprender com os nossos comportamentos, porém sem julgamentos. Exemplos: notar quando está com fome ou saciado, perceber os pensamentos e emoções na hora da refeição, constatar que pulou o café da manhã e acabou ficando faminto na hora do almoço. Essa voz auxilia no processo de se alimentar intuitivamente, pois nos aproxima dos nossos sinais internos (biológicos e psicológicos).
- Voz nutridora ou apoiadora:
Essa é uma voz suave e gentil. É aquela voz que nos diz “tá tudo bem”. Ela conforta e nos protege do ataque do policial da dieta. Exemplos de afirmações dessa voz: “comer bolo é normal”, “ultrapassar os limites da saciedade é algo que acontece, principalmente se estiver faminto” É uma voz que nos apoia, e que, se formos parar para pensar, devia ser a que mais prevalece em nossa cabeça, certo? Ela nos incentiva, e, mesmo quando temos algum comportamento alimentar que nos faz mal, ela nos diz que está tudo bem, e que no dia seguinte podemos fazer diferente!
Você consegue imaginar todas as diferentes vozes atuando dentro de um mesmo contexto? As autoras do livro Intuitive Eating nos trazem um ótimo exemplo:

Imagine que você foi convidado (a) para um jantar na casa de um cozinheiro gourmet, e acaba chegando lá faminto (a). Agora perceba como as vozes agem:
- Policial da dieta: tome cuidado com o que come. Tudo aqui é “engordativo”. Nem encoste nos aperitivos. Se você provar um deles, já era, caso perdido. E ainda tem a sobremesa depois.
- Informante nutricional: você não deveria pegar nenhum queijo, porque eles são muito gordurosos e o sal te deixará inchado (a). Você pode pegar apenas os vegetais.
- Rebelde da dieta: ninguém vai me dizer o que eu posso comer nessa festa. Eu odeio aquela dieta e não me importo com o meu peso.
- Antropólogo: que interessante, veja a variedade de aperitivos. Parecem bons! Você está com muita fome, melhor comer alguns aperitivos para não exagerar no jantar.
- Aliado nutricional: acho que não vou comer nenhum queijo ou aperitivo frito agora, pois eles me deixarão cheio (a) demais para o jantar. Vou comer alguns vegetais agora, para continuar com um pouco de fome para o jantar.
- Nutridora/apoiadora: essa comida parece maravilhosa! Eu quero provar tudo. É um pouco assustador querer devorar esses aperitivos. Mas, ok, é normal se sentir dessa forma quando estamos famintos. É uma situação atípica, e eu sou humano (a).
- Comedor intuitivo: estou com muita fome. Mas vou me acalmar para não me sentir tão cheio e aproveitar o jantar. Dentre esses aperitivos, qual parece mais gostoso? Hmm, não como pizza e nem brie faz tempo. O brie parece bom, mas a pizza nem tanto; acho então que vou provar os cogumelos recheados. Durante o jantar: isso está delicioso, mas estou ficando cheio (a). Mais uma garfada e estarei satisfeito (a). Me sinto bem por ter comido tudo o que eu gosto e ter deixado algumas coisas de lado sem me sentir privado (a).
Partindo desses conceitos, você consegue identificar quais dessas vozes andam guiando sua alimentação? Ao contrário do que a brincadeira do título desse texto sugere, é preciso encarar de frente as vozes internas que alimentam o policial da dieta. Começar a observar quais são as vozes que habitam sua cabeça, e a modifica-las, se necessário, são importantes passos para você retomar o comando da sua alimentação outra vez. Utilizar as vozes do informante e do rebelde como aliadas, e dar ouvidos à voz nutridora e à voz do antropólogo são ações que te aproximarão de um comer mais intuitivo, tranquilo e gentil.
Referências:
ALVARENGA, M. et al. Nutrição Comportamental. Barueri, SP. Manole, 2015
TRIBOLE, E., RESCH, E. Intuitive Eating: A Revolutionary Program That Works. St Martins Press. 2012
Comments