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Como o nosso ambiente e cultura atuais podem estar levando ao ganho de peso?

  • Nathália Petry
  • 7 de mar. de 2018
  • 5 min de leitura

O ganho de peso e o crescimento das taxas de obesidade têm trazido preocupação à população e aos profissionais e órgãos de saúde. Discursos como “precisamos controlar melhor o que comemos”, “é preciso ter mais força de vontade”, “você precisa resistir às tentações alimentares” são amplamente divulgados na tentativa de reverter este quadro alarmante. Porém, algo que parece ser muito intrigante é: será que 39-52% da população mundial adulta que compõem as taxas de sobrepeso e obesidade são simplesmente descontrolados, indisciplinados e sem força de vontade para se alimentar? (dado estatístico da WHO, 2014)

Segundo Chaput e colaboradores (2012), no artigo cujo título já é muito interessante (“Obesidade: doença ou adaptação biológica?”), a obesidade talvez não seja uma doença, ou um reflexo de uma população que não tem força de vontade. Na verdade, o ganho de peso poderia ser uma adaptação biológica a um estilo de vida atual, ao nosso ambiente atual, que, segundo o autor, é composto de privação de sono, aumento nas taxas de estresse e ansiedade, excesso de tecnologia e abundância de comida. Assim, a população estar ganhando peso poderia ser, simplesmente, uma adaptação a um novo ambiente.

Eu, Nathália, concordo com ele, e ainda acrescentaria algumas questões importantes a este ambiente: os comportamentos alimentares disfuncionais que provêm também de uma cultura de prática de dietas e do uso da comida para lidar com as emoções. Considerando que, frequentemente, o ganho de peso é considerado para o nosso organismo uma proteção, talvez estejamos tentando nos proteger de algo.

Neste texto, explorarei estes dois fatores:

1) Ambiente com cultura de prática de dietas Não é segredo para ninguém que estamos vivendo em um ambiente que supervaloriza o corpo e imagem, os quais são associados até mesmo a questões de sucesso e felicidade. E essa pressão tem levado as pessoas a, cada vez mais, embarcarem em mudanças alimentares a fim de "entrarem no peso" que lhes é esperado.

Dessa forma, dietas restritivas com o objetivo de perda de peso têm se tornado uma prática cada vez mais comum, e cada vez mais vista como algo normal. É difícil olhar ao nosso redor e encontrar alguém (principalmente no que se refere a mulheres) que nunca fizeram dietas. Passando-se de pais para filhos, tem-se aprendido desde cedo que não se deve comer muito, e que é preciso “controlar” a alimentação para manter um peso adequado. Assim, às vezes desde muito cedo, as pessoas têm embarcado em dietas que impõem restrições de calorias, nutrientes e alimentos.

Porém, diversos estudos têm mostrado que as dietas restritivas são um grande preditor de ganho de peso a longo prazo. A metanálise realizada por Mann et al (2007) analisa 31 estudos de longa duração, e traz que 2/3 dos participantes que se submeteram à prática de dieta recuperaram todo o peso perdido ou mais do que o peso perdido nos meses seguintes. Um outro estudo interessante, de Pietilainen e colaboradores (2011), com 2000 pares de gêmeos idênticos, observou que o gêmeo com histórico de dieta tinha maior peso do que o gêmeo que nunca havia feito dieta, e concluiu que as dietas podem ser, em parte, responsáveis pela atual epidemia de obesidade. Aqui percebe-se o chamado “paradoxo das dietas”, cujo nome traz a relação paradoxal do fato de medidas realizadas para perda de peso serem justamente as promotoras de ganho de peso. Cerca de 95 a 98% das pessoas que fazem dietas reganham todo ou mais peso, e isto não ocorre por falta de disciplina do indivíduo, como se costuma acreditar, mas porque o efeito sanfona é a própria consequência da dieta (Mann et al, 2007).

Por que isso acontece? Fisiologicamente, quando há restrição de calorias, macronutrientes ou grupos de alimentos, o organismo entra em um estado de alarme, pois percebe que há consumo de pouco combustível. Por ser adaptável e voltado à sobrevivência, o organismo se submete a várias alterações bioquímicas para que consiga sobreviver, como, por exemplo, alteração no metabolismo energético, diminuição na taxa metabólica basal, alteração na composição corporal, aumento na eficiência calórica, aumento da fome, aumento do desejo por carboidrato, aumento dos níveis de cortisol e outros neurotransmissores do estresse (Bernardi et al, 2005). Dessa forma, é possível perceber que o fim da dieta é bastante provável, e, quando isso acontece, o corpo está todo preparado bioquimicamente para reganhar o peso perdido.

É claro que nos alimentarmos bem, com variedade e nutrientes diversos, é importante. Porém, essa grande cultura atual de valorização excessiva da alimentação saudável tem feito com que a população conviva com o chamado terrorismo nutricional (ou “nutricionismo” segundo o autor George Scrynis). Com isso, ele comenta sobre a constante classificação dos alimentos em pode/não pode, proibido/permitido, mocinho/vilão, que leva ao desenvolvimento dos sentimentos de culpa, medo e vergonha ao comer os alimentos proibidos. Além de isto, obviamente, levar a um relacionamento conturbado com a comida, a proibição de alimentos também é uma prática que pode estar ligada ao ganho de peso. E isso ocorre devido ao fato de que a proibição de alimentos leva a um aumento no desejo por estes alimentos e no consumo dos mesmos. Erskine e Georgious (2010), em seu artigo avaliando a supressão de chocolate, confirmam que quanto mais se tenta evitar um alimento, mais há aumento no desejo por ele e consequentemente maior é seu consumo. Os autores observaram em seu estudo, por exemplo, que as pessoas que mais tentaram não pensar sobre chocolate foram as que mais o consumiram no decorrer do estudo. Bernardi e colaboradores (2005) observaram, ao final de seu estudo, que as pessoas que viviam com proibições alimentares comeram maior quantidade de comida do que as pessoas que, em primeiro lugar, comiam sem seguir regras de pode/não pode.

Um ponto ainda importante a acrescentar é que esse ciclo gerado entre proibir um alimento e depois comê-lo de forma excessiva pode influenciar no desenvolvimento de compulsões alimentares (veja um texto sobre isso aqui), o que também está ligado ao ganho de peso.

2) Dificuldade de lidar com emoções Ainda, observa-se na sociedade atual, em que o estresse, a correria, a ansiedade e a valorização exagerada da produtividade predominam, uma grande dificuldade no lidar com os sentimentos. Somos incentivados a olhar para fora, a conquistar e produzir, e acabamos tendo dificuldade de nos internalizar e entender o que sentimos e o que precisamos.

Sabe-se que a comida possui, para o ser humano, significados culturais, sociais, religiosos, afetivos e econômicos, porém muitas vezes a relação emocional existente entre o indivíduo e a comida se torna disfuncional, como, por exemplo, quando a comida se torna a única estratégia para lidar com diversas emoções, o que também muitas vezes é feito de forma inconsciente.

Assim, é possível que o ganho de peso esteja associado a questões emocionais não resolvidas, que são anestesiadas, frequentemente de forma inconsciente, por meio de comida. Assim, percebe-se que precisamos aprender a identificar “do quê” realmente temos fome: se é fome de alimento, ou necessidade de prazer, conforto, distração, sedação, punição, amor, paz, recompensa, diversão, conexão (Tribole e Resch, 2012).

Você já havia parado para pensar sobre isso?

Dessa forma, é possível perceber que o ganho de peso e a obesidade talvez não sejam questões de falta de força de vontade da população, como se fala livremente por aí, mas pode ser um reflexo da nossa cultura e ambiente atuais, que promove a cultura de dietas e a dificuldade atual de lidar com as emoções.

Referências:

  • BERNARDI F, et al. Comportamento de restrição alimentar e obesidade. Rev. Nutr., Campinas, 18(1):85-93, jan./fev., 2005

  • CHAPUT JP, et al. Obesidade: uma doença ou adaptação biológica? Uma atualização. Obes Rev., 13(8), 2012.

  • ERSKINE J, GEORGIOU G. Effects of thought suppression on eating behaviour in restrained and non-restrained eaters. Appetite 54 (2010) 499–503.

  • MANN et al. Medicare's Search for Effective Obesity Treatments: Diets Are Not the Answer. American Psychologist, 62(3), 2007.

  • PIETILAINEN et al. Does dieting make you fat? A twin study. International journal of obesity. 36(3):456-64. 2011

  • SOETENS B, et al. Suppression in Obese and Non-Obese Restrained Eaters: Piece of Cake or Forbidden Fruit? Eur. Eat. Disorders Rev. 16, (2008) 67–76

  • TRIBOLE E, RESCH E. Intuitive Eating: A Revolutionary Program That Works. 3a

  • edição. New York: St Martins Press, 2012.

  • WHO (World Health Organization), 2014: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/


 
 
 

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