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Por que estamos engordando? Saiba como as dietas podem estar levando ao ganho de peso

  • Nathália Petry
  • 4 de mai. de 2017
  • 6 min de leitura

Quando decidi cursar Nutrição, lembro-me de ouvir de familiares e amigos que se eu encontrasse a fórmula do emagrecimento eu ficaria rica. Eu ouvia que se eu descobrisse a pílula mágica, ou o alimento emagrecedor que deve existir por aí, então, nossa, a humanidade estaria salva. E até hoje tenho ouvido apelos desse tipo, em formatos como “o que posso comer para emagrecer?; qual alimento devo evitar?; como fazer para perder peso rápido?”, sinalizando que estamos todos em busca daquela solução definitiva.

Confesso que estes questionamentos sempre me provocaram incômodo. Quero dizer, como podemos emagrecer se em primeiro lugar nem sabemos o porquê engordamos? E não ver pessoas/profissionais/organizações de saúde fazendo esse questionamento me assombra. Por que estamos engordando? Este não seria um questionamento muito importante que deveria ser feito antes de pensarmos em estratégias de emagrecimento para a população?

Mas a verdade é que nem nos questionamos isso porque culturalmente sentimos que sabemos essa resposta. “Ué, engordamos porque comemos coisas que engordam, afinal, “você é o que você come”, não é mesmo? Engordamos porque não temos força de vontade o suficiente para resistir a estas comidas engordativas.”

Assim, o “você é o que você come”, tão culturalmente disseminado, procura colocar a culpa do ganho de peso no “o que” você come (aquele alimento “engordativo”) e no “você”, que não tem força de vontade para resistir a ele.

Faz sentido, né?

Não, não faz. Há algumas semanas, inclusive, discuti aqui o porquê a premissa “você é o que você come” não é tão verdadeira assim (veja aqui). Além disso, isso ainda traz a pergunta que ninguém se faz, mas que sinceramente todos deveriam se fazer: seria o sobrepeso e a obesidade um problema de falta de disciplina e força de vontade de 39-52% da população mundial adulta para resistir aos alimentos engordativos (porcentagem da população considerada acima do peso, segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2014))?

Ou será que estamos lidando com um sintoma de algo muito maior?

Segundo Chaput, em seu artigo cujo título já é muito interessante (“Obesidade: doença ou adaptação biológica?”), a obesidade talvez não seja uma doença, ou um reflexo de uma população que não tem força de vontade. Na verdade, o ganho de peso poderia ser uma adaptação biológica a um estilo de vida atual, que, segundo o autor, é composto de privação de sono, muitos fatores estressantes (somos uma população bastante estressada e desmotivada, e é perceptível isso quando vemos os dados do aumento da ansiedade e da depressão), excesso de tecnologia e abundância de comida. Assim, a população estar ganhando peso poderia ser, simplesmente, uma adaptação a um novo ambiente.

Eu concordo com ele. Acredito que o nosso ganho de peso como população é apenas um reflexo. E, considerando que, frequentemente, o ganho de peso é considerado para o nosso organismo uma proteção, talvez estejamos tentando nos proteger de algo.

Mas eu ainda acrescentaria um fator bastante comum nesse ambiente descrito por Chaput: a prática de dietas e de um controle alimentar excessivo.

Como assim, Nathália?

Bom, vamos dar uma olhada no ambiente que vivemos:

1) Ambiente com cultura de dietas restritivas Dietas restritivas têm se tornado parte da nossa cultura. Passando de pais para filhos, aprendemos desde cedo que não podemos comer muito, e que precisamos “cuidar/controlar” a alimentação. E, assim, às vezes desde muito cedo já embarcamos em dietas que nos impõem restrições de calorias, nutrientes e alimentos. Porém, diversos estudos têm mostrado que as dietas restritivas são um grande preditor de ganho de peso a longo prazo. A metanálise realizada por Mann et al, 2007) analisa 31 estudos de longa duração, e traz que 2/3 dos participantes que se submeteram à dieta recuperaram todo o peso perdido ou mais do que o peso perdido nos meses seguintes. Um outro estudo interessante, de Pietilainen e colaboradores (2011), com 2000 pares de gêmeos idênticos, observou que o gêmeo com histórico de dieta tinha maior peso do que o gêmeo que nunca havia feito dieta, e conclui que as dietas podem ser, em parte, responsáveis pela atual epidemia de obesidade. Sim, aqui ficamos com a pergunta chocante que define o paradoxo das dietas: estariam as dietas nos levando ao ganho de peso?

2) Ambiente em que a alimentação saudável vira uma questão moral Claro que nos alimentarmos bem, com variedade e nutrientes diversos, é importante. Porém, o grande apelo atual à alimentação saudável tem feito com que a população conviva com o chamado terrorismo nutricional (ou “nutricionismo” segundo o autor George Scrynis), ou seja, classificando os alimentos em pode/não pode, e então gerando sentimentos de culpa, medo e vergonha ao comer os alimentos proibidos. Além de isto, obviamente, levar a um relacionamento conturbado com a comida, a proibição de alimentos também é uma prática que pode estar ligada ao ganho de peso. E isso ocorre devido ao fato de que a proibição de alimentos leva a um aumento no desejo por estes alimentos e no consumo dos mesmos. Isso ocorreria devido a ineficiência da “supressão de pensamento”, como visto no artigo de Soetens, et al. (2008), o qual demonstra que quanto mais suprimimos um pensamento, mais tendemos a ter esse pensamento. Erskine, em seu artigo avaliando a supressão de chocolate, confirma que quanto mais tentamos não pensar em um alimento, mais aumentamos o desejo por ele e mais o comemos. O autor observou, por exemplo, que as pessoas que mais suprimiram seu pensamento sobre chocolate (que mais tentaram não pensar em chocolate e não comê-lo) foram as que mais o consumiram no decorrer do estudo.

A proibição alimentar também estaria ligada a um efeito chamado “desinibição do controle cognitivo”. Segundo Bernardi (et al, 2005), pessoas que fazem proibições alimentares, ao comer o alimento proibido (que, como vimos acima, já estava com desejo aumentado), acionam o pensamento “já que eu já comi tal alimento, vou comer mais tal, tal e tal...”, assim como o pensamento “só hoje vou comer tudo isso”, e assim acabam comendo muito nestes momentos (este seria o momento da desinibição do controle cognitivo). O autor ainda demonstra que, ao final do estudo, as pessoas que viviam com proibições alimentares comeram maior quantidade de comida do que as pessoas que, em primeiro lugar, comiam sem seguir regras de pode/não pode. Um ponto ainda importante a acrescentar é que esse efeito da “desinibição do controle cognitivo” ou o famoso “só hoje!” poderiam estar ligados ao desenvolvimento de compulsões alimentares (episódios no qual a pessoa come uma grande quantidade de comida – maior do que a maioria das pessoas comeria – em um período muito curto de tempo, acompanhado de uma sensação de perda de controle). E a grande frequência de compulsões alimentares costuma levar ao ganho de pelo pela ingestão de grande quantidade de comida.

Dessa forma, conforme as reflexões levantadas acima, é bastante perceptível que o “você é o que você come” não só não compreende a complexidade da obesidade, como pode estar agravando este quadro, por incentivar a prática de dietas restritivas, e por aumentar o risco do terrorismo nutricional, de um relacionamento conturbado com a comida e do desenvolvimento de compulsão alimentar. Ou seja, “você é o que você come” realmente não parece ser uma solução. Parece contribuir para o problema.

Então, como lidar com o crescente ganho de peso da população? Talvez possamos começar a entender melhor a obesidade quando começarmos ampliar os nossos questionamentos acerca dos motivos que estão nos levando ao ganho de peso. “Como você come?”, “por que você come?”, “você tem fome do quê?”, “o que os alimentos significam para você?”, “como você lida com a comida?” podem ser melhores perguntas para começar a se fazer esse caminho.

Nutricionista Comportamental

Mais sobre Nathália aqui.

Referência:

BERNARDI F, et al. Comportamento de restrição alimentar e obesidade. Rev. Nutr., Campinas, 18(1):85-93, jan./fev., 2005

Binge Eating Disorders Association: http://bedaonline.com/understanding-binge-eating-disorder/

CHAPUT JP, et al. Obesidade: uma doença ou adaptação biológica? Uma atualização. Obes Rev., 13(8), 2012.

DUCHESNE, M. et al. Evidências Sobre a Terapia Cognitivo-Comportamental no Tratamento de obesos com Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica. Revista Brasileira de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, v. 29, n. 1, p. 80-92, 2007.

ERSKINE J, GEORGIOU G. Effects of thought suppression on eating behaviour in restrained and non-restrained eaters. Appetite 54 (2010) 499–503.

FOSTER GD, et al. Primary Care Physicians’ Attitudes about Obesity and its Treatment. Obesity Research, 11(10), 2003.

FOXCROFT, L. A Tirania das Dietas. São Paulo: Três Estrelas, 2013.

LEVINOVITZ, A. A Mentira do Glúten e outros mitos sobre o que você come. Porto Alegre: CDG, 2015.

MANN et al. Medicare's Search for Effective Obesity Treatments: Diets Are Not the Answer. American Psychologist, 62(3), 2007.

PIETILAINEN et al. Does dieting make you fat? A twin study. International journal of obesity. 36(3):456-64. 2011

SOETENS B, et al. Suppression in Obese and Non-Obese Restrained Eaters: Piece of Cake or Forbidden Fruit? Eur. Eat. Disorders Rev. 16, (2008) 67–76

WHO (World Health Organization), 2014: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/

 
 
 

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