top of page

Permissão incondicional de comer: o que isso significa?

As nutricionistas americanas Evelyn Tribole e Elyse Resch, autoras do livro Intuitive Eating (Comer Intuitivo), ressaltam a importância de se permitir comer incondicionalmente qualquer alimento. Fazer as pazes com a comida é o terceiro princípio da Alimentação Intuitiva e, em minha opinião, um dos princípios mais importantes e mais mal compreendidos (será anarquia alimentar?), tanto pelas pessoas de maneira geral como pelos próprios profissionais de saúde.

A forma como nos relacionamos com a comida interfere diretamente na nossa saúde física e mental, determinando nosso comportamento alimentar, nosso peso e até o desenvolvimento ou não de transtornos alimentares.

Mas o que significa, exatamente, fazer as pazes com a comida?

Significa não julgar os alimentos, isto é, deixar de lado a idéia de classificá-los como “bons” ou “ruins”, “permitidos” ou “proibidos”, saudáveis” ou “não saudáveis”, e se dar permissão incondicional para comer. Não existe “porcaria”, “veneno”, “comida lixo” e “gordice”, o que existe são relações conturbadas e desequilibradas com os alimentos. O problema não está na comida em si, mas sim em como você se relaciona com ela e nos significados que você atribui ao alimento. É claro que é importante conhecer a qualidade do que comemos, mas quando focamos apenas nos nutrientes e calorias, esquecemos de ouvir nosso corpo, de perceber nossos sinais internos de fome e saciedade e de reconhecer nossas verdadeiras preferências e vontades. Esquecemos, principalmente, que os alimentos não têm como única função nos nutrir e que, exatamente por isso, todos eles têm o seu valor.

Fazer as pazes com a comida é se permitir. Você pode comer o que tiver vontade, na hora que quiser, em quantidades que te satisfaçam, e está tudo sob controle. A princípio pode parecer assustador (sinal verde para comer? Vou devorar o mundo!). Mas a verdade é que ter autonomia sobre uma questão tão básica, natural e vital é libertador e logo você vai perceber que o seu corpo não gosta de monotonia e não anseia viver só de batata frita e chocolate, ele demanda variedade e alimentos nutritivos. Pense comigo de forma bem franca: Você acha que consegue comer pizza no café da manhã, almoço e jantar por quanto tempo? Quando você está conectado com o seu corpo e respeita seu tempo, o equilíbrio vem de dentro e, mais cedo ou mais tarde, ele vai pedir um belo e colorido prato de vegetais!

Quando você diz que “não deve” ou “não pode” comer determinado alimento, você intensifica seus sentimentos de privação e contribui para o aumento do desejo. A simples percepção de quebrar uma regra e comer um alimento proibido pode provocar excessos na alimentação. Em um estudo de 1996, Polivy explicou que as restrições, regras e auto-imposições das pessoas que fazem dieta, podem resultar em compulsão alimentar e em manifestações psicológicas como preocupação excessiva com a comida, perda da autoestima e mudanças de humor. Toda vez que você proíbe, você deseja mais. E deseja muito mais! Assim, a maioria das dietas e restrições alimentares vem acompanhada de pensamentos obsessivos com a comida. Você já se percebeu preso (a) a este tipo de comportamento?

Outras pesquisas demonstram que pessoas que não fazem dieta e, portanto não restringem o consumo de alimentos, comem naturalmente menos depois de consumir uma refeição altamente calórica. Esta regulação energética é normal, ou seja, as pessoas acabam compensando o exagero naturalmente, comendo menos na próxima refeição. Em contrapartida, pessoas que restringem o consumo de alimentos, comem mais após a ingestão de uma refeição muito calórica, comportamento que pode ser explicado pelo que os autores chamam de “desinibição” do controle cognitivo (Bernardi, 2005). Sabe aquele pensamento “eu já saí da dieta mesmo... agora vou enfiar o pé na jaca!”? É exatamente isso que estes estudos nos mostram.

O que temos visto, nos dias de hoje, são mensagens extremamente dicotômicas, simplistas e ao mesmo tempo terroristas sobre o que é alimentação saudável. Os alimentos ou são vilões e fazem mal à saúde ou são mocinhos e fazem milagres. E é exatamente isso que tem nos levado a uma relação de dúvida, medo e sofrimento com a comida. Não precisamos ser tão extremistas, ter um relacionamento saudável com a alimentação não é somente comer o que é “permitido”, “o que não engorda” e “o que faz bem à saúde”.

Comer bem é comer de tudo! Com prazer, sem restrições, sem culpa e levando em consideração nossas vontades, preferências alimentares e os sinais internos de fome e saciedade. Como diz uma colega de profissão: “comer errado é tomar sopa de garfo!”

Quando a alface e o brigadeiro estão no mesmo patamar, é bastante provável que sua escolha seja verdadeiramente baseada na vontade. Ao internalizar a idéia de que não existem alimentos proibidos, o ato de comer pode ser vivenciado de forma plena, tranqüila e intuitiva, o que pode ajudar na redução dos exageros alimentares e dos comportamentos disfuncionais com a comida. Quando somos de fato livres nas nossas escolhas alimentares, eliminamos a urgência de comer demais.

Podemos trocar a rigidez pela flexibilidade; a culpa e a privação pelo prazer e satisfação; o medo pela confiança e o “pseudo controle” da restrição pela real autonomia acerca de nossa própria alimentação. Com a permissão incondicional para comer, aos poucos, os alimentos antes proibidos vão perdendo o seu poder e você pode, finalmente, viver em um estado de harmonia com a comida, fazendo escolhas nutritivas e saborosas de acordo com seus desejos e as necessidades do seu corpo. É importante ressaltar que “fazer as pazes com a comida” faz parte de um contexto maior, permeado por mais nove princípios (conforme já falamos aqui), que também devem ser compreendidos por quem busca essa relação tranqüila com a comida.

Permita-se!

Nutricionista em Nova Friburgo (RJ)

REFERÊNCIAS:

  • ALVARENGA, Marle et al. NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL. Barueri, SP: Manole, 2015.

  • Pirke KM, Laessle RG. Restrained eating. In: Stunkard AJ, Wadden TA. Obesity: theory and therapy. New York: Raven Press, 1993.p. 151-62.

  • Polivy J. Psychological consequences of food restriction. J Am Diet Assoc. 1996; 96(6): 589-92.

  • Bernardi F, et al. Comportamento de restrição alimentar e obesidade. Rev. Nutr., Campinas, 18(1):85-93, jan/fev, 2005.

Colaboradoras

Organizadoras

bottom of page